“O queijo e os
vermes, cotidiano das ideias de um moleiro perseguido pela inquisição”, Carlo
Guinzburg (Companhia das Letras, 1998), relata, como o subtítulo sugere-nos, os
julgamentos, ideias, fantasias e aspirações de um moleiro herético que é
julgado pela Inquisição Católica da Itália no século XVI.
“...Tudo era um caos, isto é, terra, ar água e fogo juntos, e de
todo aquele volume em movimento se formou uma massa, da mesma forma que o
queijo é feito do leite, e do qual urgem os vermes, e esses eram os anjos...” É
dessa maneira que o moleiro Domenico Scandela explica a origem de tudo o que
há, e não se contendo com isso, compartilha essa e mais outras
heresias com os outros moradores de sua aldeia, até que é chamado pelo Tribunal
do Santo Ofício, para receber sua devida correção.
Apesar de um paupérrimo moleiro da aldeia Montereale, da região de
Friuli, Domenico Scandela, vulgo Menochio, era um homem culto, um leitor. Pela
sua curiosidade e ousadia não demorou-lhe arranjar (comprados ou emprestados)
livros proibidos pela Inquisição, como o Fioretto de la Bibbia, a Bíblia Vulgar
e Viagens de John Mandeville. Essas suas leituras aliadas à sua mente
curiosa e à cultura oral camponesa do período, fizeram-no moldar uma cosmogonia
própria e uma série de reflexões teológicas que iam contra a fé católica. Além
de não aceitar Deus como criador de todas as coisas, negava a virgindade de
Maria, a divindade de Cristo, a validade dos sacramentos, a imortalidade da
alma, a autenticidade dos evangelhos (que segundo ele tinham sido feitos por
padres e frades desocupados) e chegou ao ápice das heresias afirmando o
panteísmo.
Logo as suas frases heréticas chegam às
autoridades altas do clero e Mencohio é denunciado à Inquisição e chamado a
julgamento. Suas ideias, e entre elas sua estranha cosmogonia do queijo,
chocaram os padres inquisidores, que nem conseguiam acreditar virem dum homem
tão simples. Mas durante o julgamento Menochio parecia
arrependido pronto para voltar a abraçar a fé católica que tinha sido recebido
de seus pais, o que não lhe excluiu a punição do tribunal...
Foi-lhe dada a dura pena de usar sempre um hábito com uma cruz e não sair da
sua aldeia. Então, o herético “arrependido” volta à sua aldeia. E tudo terminaria
comum na vida dele se abandonasse as suas opiniões, como foi o caso de Galileu
Galilei, mas estas foram gerando mais outras até que Menochio volta a
pronunciá-las em público, até que boatos a respeito disso são de novo ouvidos
pelas altas autoridades da igreja, que logo agem.
O impenitente, o relapso, é reconduzido ao Santo Ofício em junho de 1599,
quinze anos após o primeiro julgamento. Dessa última vez, observando os seus
julgadores que ele persistia e não pretendia parar em suas heresias, e que
havia criado outras, tomam a decisão de dá-lo a punição maior que podiam: a de
entrega-lo nas mãos do Estado, o qual o executaria. E assim o foi.
Já em
idade avançada Menochio sai da vida de moleiro relapso e entra na história,
ajudando-nos a entender as classes subalternas da Idade Média.
Do micro acontecimento, ao mundo do macro, do particular ao
abrangente; alargando as nossas visões... Assim procede o livro o Queijo e os Vermes. Mais
que uma biografia, é uma análise da cultura das classes subalternas italianas
do século XVI, de sua cultura popular, a medida que reconstrói um fragmento
dela buscando compreender quem é Menochio e porque ele é. Mergulhadas nas
ideias de Menochio postas em suas páginas, vêm a luz amostras de crenças populares
das obscuras mitologias camponesas da idade média que se opunham ao
catolicismo.
A obra é da autoria do historiador italiano Carlo Guinzburg. Este
nasceu em Turim (1939), filho de dois outros intelectuais, o tradutor Leone Ginzburg e a romancista Natalia
Ginzburg. Por das décadas ele foi professor da Universidade da Califórnia em
Los Angeles até que volta ao seu país de origem e ocupa a cadeira de história cultural europeia na
Escola Normal Superior de Pisa, isso a partir de 2006.
Ele é um das referências em história na
atualidade, um dos principais nomes da Microhistória, “escola que reduz a escala de observação e dá
notoriedade a fatos relevantes que são ignorados dentro de um contexto
construído de forma generalizadora, além de utilizar como recurso documental
uma série de fontes que não era considerada pela história tradicional” (http://www.infoescola.com/biografias/carlo-ginzburg/).
Além da obra aqui tratada, é autor de História Noturna (1991), Mitos, Emblemas e
Sinais (1989) e Olhos de Madeira (2001)
e Os Andarilhos do Bem (1988). Mas foi com O Queijo e
os Vermes que ele ganhou grande reconhecimento internacional.
Dênisson Abreu
Teles, acadêmico do curso de História (UFSe)
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