terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Resenha de "O Queijo e Os Vermes"














      “O queijo e os vermes, cotidiano das ideias de um moleiro perseguido pela inquisição”, Carlo Guinzburg (Companhia das Letras, 1998), relata, como o subtítulo sugere-nos, os julgamentos, ideias, fantasias e aspirações de um moleiro herético que é julgado pela Inquisição Católica da Itália no século XVI.

      “...Tudo era um caos, isto é, terra, ar água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, da mesma forma que o queijo é feito do leite, e do qual urgem os vermes, e esses eram os anjos...” É dessa maneira que o moleiro Domenico Scandela explica a origem de tudo o que há, e não se contendo com isso, compartilha  essa e mais outras heresias com os outros moradores de sua aldeia, até que é chamado pelo Tribunal do Santo Ofício, para receber sua devida correção. 

      Apesar de um paupérrimo moleiro da aldeia Montereale, da região de Friuli, Domenico Scandela, vulgo Menochio, era um homem culto, um leitor. Pela sua curiosidade e ousadia não demorou-lhe arranjar (comprados ou emprestados) livros proibidos pela Inquisição, como o Fioretto de la Bibbia, a Bíblia Vulgar e  Viagens de John Mandeville. Essas suas leituras aliadas à sua mente curiosa e à cultura oral camponesa do período, fizeram-no moldar uma cosmogonia própria e uma série de reflexões teológicas que iam contra a fé católica. Além de não aceitar Deus como criador de todas as coisas, negava a virgindade de Maria, a divindade de Cristo, a validade dos sacramentos, a imortalidade da alma, a autenticidade dos evangelhos (que segundo ele tinham sido feitos por padres e frades desocupados) e chegou ao ápice das heresias afirmando o panteísmo.
      Logo as suas frases heréticas chegam às autoridades altas do clero e Mencohio é denunciado à Inquisição e chamado a julgamento. Suas ideias, e entre elas sua estranha cosmogonia do queijo, chocaram os padres inquisidores, que nem conseguiam acreditar virem dum homem tão simples. Mas durante o julgamento Menochio parecia arrependido pronto para voltar a abraçar a fé católica que tinha sido recebido de seus pais, o que não lhe excluiu a punição do tribunal...
       Foi-lhe dada a dura pena de usar sempre um hábito com uma cruz e não sair da sua aldeia. Então, o herético “arrependido” volta à sua aldeia. E tudo terminaria comum na vida dele se abandonasse as suas opiniões, como foi o caso de Galileu Galilei, mas estas foram gerando mais outras até que Menochio volta a pronunciá-las em público, até que boatos a respeito disso são de novo ouvidos pelas altas autoridades da igreja, que logo agem.

       O impenitente, o relapso, é reconduzido ao Santo Ofício em junho de 1599, quinze anos após o primeiro julgamento. Dessa última vez, observando os seus julgadores que ele persistia e não pretendia parar em suas heresias, e que havia criado outras, tomam a decisão de dá-lo a punição maior que podiam: a de entrega-lo nas mãos do Estado, o qual o executaria. E assim o foi.

    Já em idade avançada Menochio sai da vida de moleiro relapso e entra na história, ajudando-nos a entender as classes subalternas da Idade Média.

      Do micro acontecimento, ao mundo do macro, do particular ao abrangente; alargando as nossas visões... Assim procede o livro o Queijo e os Vermes. Mais que uma biografia, é uma análise da cultura das classes subalternas italianas do século XVI, de sua cultura popular, a medida que reconstrói um fragmento dela buscando compreender quem é Menochio e porque ele é. Mergulhadas nas ideias de Menochio postas em suas páginas, vêm a luz amostras de crenças populares das obscuras mitologias camponesas da idade média que se opunham ao catolicismo.
      A obra é da autoria do historiador italiano Carlo Guinzburg. Este nasceu em Turim (1939), filho de dois outros intelectuais, o tradutor Leone Ginzburg e a romancista Natalia Ginzburg. Por das décadas ele foi professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles até que volta ao seu país de origem e ocupa a cadeira de história cultural europeia na Escola Normal Superior de Pisa, isso a partir de 2006.

      Ele é um das referências em história na atualidade, um dos principais nomes da Microhistória, “escola que reduz a escala de observação e dá notoriedade a fatos relevantes que são ignorados dentro de um contexto construído de forma generalizadora, além de utilizar como recurso documental uma série de fontes que não era considerada pela história tradicional” (http://www.infoescola.com/biografias/carlo-ginzburg/).

        Além da obra aqui tratada, é autor de História Noturna (1991), Mitos, Emblemas e Sinais (1989) e Olhos de Madeira (2001) e Os Andarilhos do Bem (1988). Mas foi com O Queijo e os Vermes que ele ganhou grande reconhecimento internacional.
                   
                                 Dênisson Abreu Teles, acadêmico do curso de História (UFSe)

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